Sobre o Carnaval de 2019

A Estação Primeira de Mangueira foi a campeã dos desfiles das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2019. A escola, que apostou no enredo politizado “História para ninar gente grande”, conquistou seu 20º título. A seguir, a análise de três professores da ESPM sobre a vitória da Mangueira.


por Marcelo Guedes – ESPM Rio

O belo enredo “Histórias pra ninar gente grande” que a Mangueira trouxe em 2019 mostra uma visão diferenciada da história do Brasil, por meio de uma versão dos acontecimentos históricos – descobrimento do Brasil, abolição da escravatura – além de valorizar povos indígenas e africanos. A Estação Primeira soube, de forma única, inteligente e estruturada, baseada em livros e relatos de historiadores, criticar temas tão atuais e relevantes e merecidamente venceu. Provavelmente, o que deve acontecer como consequência é surgir um novo caminho de enredos em 2020. O que acredito ser muito positivo. É muito bom ter escolas de samba desempenhando um papel de crítica sobre os acontecimentos.


por Lúcia Santa Cruz – ESPM Rio

O tom do Carnaval de 2019 foi o da crítica política, seja nos blocos ou nas escolas de samba, e trouxe também uma atitude política ao tratar das memórias subterrâneas. As memórias subterrâneas são aquelas que sobrevivem no silêncio, pois não têm legitimidade social para serem narradas, mas são transmitidas de geração em geração. Toda sociedade “escolhe” e legitima o que quer lembrar. Este filtro é político e histórico, ou seja, obedece às disputas de poder e aos valores em circulação durante uma determinada época. As narrativas legítimas se tornam a história oficial de um povo, mesmo que isso signifique, na prática, silenciar várias vozes.
O enredo da Mangueira, vencedora do Carnaval carioca, trata justamente das memórias subterrâneas de negros, índios, mulheres, grupos cuja representação histórica tem seguido a lógica da memória hegemônica. Ao cantar a “história que a história não conta”, “com versos que o livro apagou”,  e afirmar que “eu quero um país que não está no retrato”, a escola de samba fala da disputa pelo desvelamento das memórias subterrâneas e do direito ao reconhecimento social  que estas narrativas também devem ter na sociedade brasileira.


por Carolina Ficheira – ESPM Rio

A temática do Carnaval, ao longo dos anos, foi sendo prevalecida por uma lógica mercantil em detrimento da escolha pela arte. Vimos isso em diferentes exemplos de diversas escolas de samba. Seus foliões, moradores do Morro, eram tratados como mais um integrante, sem levar eles (os donos da festa) como os principais atores da construção do evento ao longo dos anos, não somente na Mangueira que isso ocorreu. O que vimos neste carnaval mangueirense foi levar a voz do morro e do barracão (verdadeiros heróis que constroem) como protagonistas desta história. O morro da Mangueira deve ser referenciado, pois é dele seu maior alimento para a conquista de novos títulos, fortalecendo sua voz e a economia local.