Mulheres no Desfile das Escolas de Samba

A Mulher na Escola de Samba

Por Marco Beja

Nesse texto, Marco Beja mostra a importância da presença da mulher nos Desfiles das Escolas de Samba.

A despeito de a mulher fazer parte do universo das escolas de samba desde sua criação, não se pode afirmar que este ambiente lhe tenha dado mais espaço do que ela já tinha na sociedade, ou seja, sua inserção se impôs, sobretudo, através das atribuições que sempre fizeram parte de seu cotidiano. As agremiações de samba, independente de, ao resgatarem sua criação, falarem de figuras importantes como a de Tia Ciata, surgiram sob a orientação de uma sociedade patriarcal e, culturalmente, machista. Considere-se, a título de exemplo, o papel da porta-bandeira – antes portaestandarte. Esta personagem sempre foi desempenhada por uma mulher, contudo nós a associamos à presença de um mestre-sala cuja função é cortejá-la e, principalmente, defender o pavilhão da escola. Para alguns, este procedimento resgata o amor cortês presente na nossa cultura por influência da literatura popular portuguesa. Essa defesa se faz necessária para que não haja, por parte de agremiações rivais, qualquer desrespeito ao símbolo maior da escola. A mulher que conduz a bandeira é, de certa forma, deificada como as mulheres cantadas pelo cancioneiro popular do início do século passado, tão distantes de mulheres verdadeiras. Por exemplo, “A deusa da minha rua tem os olhos onde a lua…”. Na verdade, no dia a dia, a deusa se acaba no fogão, no tanque, no ferro de engomar… Não se pode deixar de citar, ao falar do papel da mulher nas escolas de samba, algumas pioneiras que conquistaram algum empoderamento sem que isto ferisse ou tangesse a primazia masculina. Dona Olegária dos Anjos do Império Serrano, personagem com quem tive a honra de conviver durante um período da minha vida, é um belo exemplo, já que se tornou pioneira por criar a figura do destaque dentro do desfile. Ainda do Império Serrano, Dona Ivone Lara aparece como o melhor exemplo de ruptura com a hegemonia masculina por ter um samba de enredo de sua autoria em parceria com Silas de Oliveira cantado durante o desfile de sua escola. Contudo, não se pode deixar de registrar que, mesmo sendo compositora, sempre desfilou na ala das baianas, por conta de o acesso de mulheres à ala de compositores ser vedado a mulheres. A partir dos anos setenta do século passado, o desfile transformou-se num grande espetáculo visto por milhares de pessoas no mundo inteiro graças aos avanços das tecnologias de comunicação. A transmissão ao vivo do desfile e o apelo turístico criaram uma personagem muito questionada: a mulher erotizada, seminua cuja função, ao longo do desfile, é exibir uma sensualidade que, verdadeiramente, emana do próprio samba sem que seja necessário qualquer apelo visual. O espaço criado para essa personagem não ofuscou o brilho das grandes guerreiras do samba. Ao contrário, paralelas a essa mudança, houve conquistas femininas surpreendentes. Mulheres foram aceitas em alas de compositores, tornaram-se ritmistas, passaram a compor a harmonia entre outros tantos papéis tão bem desempenhados por elas. Mesmo aquelas mulheres cujo domínio se deu através do desempenho em funções consideradas, em princípio, essencialmente femininas, ganharam muito destaque no universo do samba. Tia Surica da Portela é um exemplo pois, além de compor o coro de pastoras da velha guarda musical de sua escola, atrai um número sem fim de fãs sempre que promove sua feijoada. Nós do Observatório do samba queremos e vamos falar, daqui para diante, de mulheres que se empoderaram dentro desse mundo complexo que é a escola de samba.

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